sábado, 13 de novembro de 2010

Processo grupal e influência social em “A Onda”


O filme “A onda” (The wave) - 1981, baseado em uma história real que aconteceu na Califórnia – EUA, em 1967, tem início com o professor de história Burt Ross explicando aos seus alunos a atmosfera da Alemanha de 1930, a ascensão e o genocídio nazista. Os questionamentos dos alunos acerca do assunto e anotada falta de interesse de alguns pela aula levam o professor a realizar, ingenuamente e sem que os estudantes percebam, uma arriscada experiência pedagógica em sala de aula, que consistem reproduzir algumas práticas nazistas, usando o slogan “Poder, Disciplina e Superioridade”, um símbolo gráfico para representar “A onda”, além de vestimentas uniformizadas e continências que lembravam a saudação nazista.
O objetivo do experimento era mostrar as vantagens da democracia, mas chega-se a um ponto que o professor perde o controle da situação. Os alunos tornam-se fanáticos pelo movimento, passam a desejar fazer parte do grupo e a se comportar com obediência e submissão as regras de “A Onda”, sendo um comportamento recompensado, reforçando ainda mais as ações praticadas pelos seguidores. Isso é típico do caráter de influência social, quando a pessoa passa a se comportar de forma semelhante aos outros para se encaixar e fazer parte de um mesmo tipo de grupo. Ou seja, o evento comportamental se torna reforçador para a ação de outra pessoa, exemplificado no filme em vários momentos, como as saudações, o uso de uniformes, que eram elementos reforçadores para que outras pessoas tivessem o mesmo comportamento.

É perceptível a coesão do grupo formado por “A Onda”, os indivíduos envolvidos estacionam e os processos de interação tornam-se circulares. Percebem-se as tipologias dos grupos em função de estágios alcançados pelo movimento, visto em LANE (2001): “O primeiro estágio seria o de grupo aglutinado, no qual há um líder que propõe ações conjuntas e do qual os membros esperam soluções” Nesta fase, o professor propõe o experimento aos alunos a fim de fazê-los alcançar o sucesso através da disciplina. “Num segundo momento, temos o grupo possessivo, onde o líder se torna um coordenador de funções, e onde as tarefas exigem a participação de todos levando a maior interação e conhecimentos mútuos”, na qual Ross instiga os alunos a obedecerem as regras, ensinando-os como se comportarem, ajustando suas posturas, por exemplo. “Na terceira fase, temos o grupo coesivo, onde há uma aceitação mútua dos membros, o líder se mantém como coorde­nador e a ênfase do grupo está na manutenção da segurança conse­guida, vista como um privilégio. É um grupo que tende a se fechar, evitando a entrada de novos elementos.”, os alunos, nesta fase já estão adeptos aos métodos utilizados pelo professor e sentem-se privilegiados de fazerem parte de “A Onda”, porém aqui, eles são instigados a chamarem novos membros para o grupo a fim de tornar o movimento maior, mais abrangente. “ Por fim, temos o grupo independente, com a liderança amplamente distribuída, pois o grupo já acumulou experiências e aprendizagens; os recursos materiais aumentam e as metas funda­mentais vão sendo alcançadas, surgindo novas metas que visam o desenvolvimento pleno dos membros e das pessoas que se relacio­nam com o grupo. É um grupo onde as relações de dominação são minimizadas e a coordenação das atividades tende para a auto­gestão.”, esta é a fase na qual os estudantes já estão altamente acostumados com as regras e tornam-se lideres observadores do comportamento social dos outros membros e também das pessoas que não fazem parte do grupo, punindo aqueles que desobedecem as regras impostas.

O professor Ross se declara o líder do movimento de “A onda”, exercendo alguns tipos de poder explanados em RODRIGUES (2007), como poder de recompensa, influenciando os alunos a obedecerem às regras para conseguirem o sucesso, o poder de coerção, punindo os integrantes que não cumpriam as normas, poder de legitimidade do tipo em que a legitimidade decorre da dependência, por parte do líder, da cooperação dos seus liderados para atingir um objetivo comum, exposto por Raven (1993), poder de referência, quando os alunos passam a emitir comportamentos semelhantes aos expostos por seu líder e também semelhantes entre si e poder de conhecimento, já que o professor exerce um cargo de influência por si só, os alunos aceitam as condições impostas, pelo fato de confiarem nos conhecimentos de seu docente, pensando ser algo bom para eles e que Ross teria conhecimento do que estava fazendo, estimulando a disciplina e fazendo valer o poder superior do grupo sobre os indivíduos. Os estudantes o obedecem cegamente, visto a força de sua credibilidade e proximidade do grupo, enfatizado por Latané (1981) como “força da fonte (visibilidade, status, credibilidade e poder das pessoas que estão influenciando)” e “proximidade (estarem perto ou não da pessoa-alvo), a partir de réplicas dos experimentos de Asch (1946). A tímida recusa de um aluno o obriga a conviver com ameaças e exclusão do grupo, pois “quanto maior o grupo, maior a pressão e maior o conformismo” (Gerard – 1968) em relação à situação em questão. A escola inteira é envolvida no fanatismo de “A onda”, até que um casal de alunos mais consciente alerta ao professor ter perdido o controle da experiência pedagógica que passou ao domínio da realidade cotidiana da comunidade escolar.

O filme tem seu desfecho quando o professor convoca todos os membros do movimento para uma reunião na qual seria exibido o líder nacional de “A Onda”, porém Ross desmascara a ideologia totalitária que sustenta o comportamento dos alunos e discursa sobre o desaparecimento do sujeito crítico diante do poder de um líder e do fanatismo por uma causa. Vale destacar o discurso final do filme: “Agora prestem atenção! Não há nenhum movimento nacional da juventude. Vocês acharam que eram especiais. Melhores que qualquer um fora dessa sala. Vocês trocaram sua liberdade pelo luxo de se sentirem superiores. Vocês aceitaram a opinião do grupo acima da sua própria convicção sem se importar quem vocês magoavam. Todos vocês acreditaram que poderiam ir embora a qualquer momento que quisessem. Mas para onde vocês estavam indo? Até onde iriam? Sim, todos nós daríamos bons nazistas. Colocaríamos os uniformes, viraríamos a cara para nossos amigos e vizinhos, deixando-os serem processados e destruídos. Fascismo não é uma coisa que outras pessoas fizeram. É exatamente isso aqui. Em todos nós. Vocês perguntaram como é que o povo alemão não fez nada enquanto milhões de pessoas inocentes eram assassinadas? Como eles poderiam dizer que nem sabiam? O que leva as pessoas a negarem sua própria história? Bem, a história se repete. Todos querem negar o que aconteceu com vocês em “A Onda”. Mas eu digo que a experiência foi um sucesso. Vocês aprenderam que todos somos responsáveis pelas nossas próprias ações. E que vocês devem preferir se questionar do que se cegarem e seguir um líder. E que pelo resto de suas vidas vocês não permitirão que a vontade de um grupo retire os seus direitos individuais. Eu sei que isso é doloroso para vocês. É também para mim. Mas é uma lição que todos compartilharemos para o resto de nossas vidas.”

O filme consegue mostrar o risco que o sujeito corre de perder a liberdade e a autonomia, submetendo-se incondicionalmente ao poder de um grupo, alimentados por uma causa absoluta e utilizando slogans para ordenar uma ação automática, sendo manipulado por discursos e movimentos de massa, fazendo desaparecer o sujeito crítico.


REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA
Filme: “A onda” [ The wave] – Dur.: 45 minutos – Direção: Alex Grasshof - País: EUA - Ano: 1981. Elenco: Bruce Davison, Lori Lethins, John Putch, Jonny Doran,Pasha Gray, Valery Ann Pfening.
LANE, Sílvia T.M. O processo grupal. In: LANE, Silvia T.M.; CODO, Wanderley (orgs.). Psicologia Social: o homem em movimento.13. ed. São Paulo: Brasiliense, 2001.
RODRIGUES, A.; ASMAR E.M. L.; JABLONSKI, B. Psicologia Social. 25ª ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2007.




Por: André Araújo

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