sábado, 2 de outubro de 2010

Observação intervalar

Estou sempre observando e criando mentalmente histórias sobre as pessoas. Elas, ou fazem cara de mal para ninguém lhes dirigir a palavra ou fazem cara de modelo para aparentar indiferença e beleza. De longe, imagino os dramas de cada um e vou tecendo histórias.

Estou em intervalo de aula e resolvi permanecer em sala, até a chegada do professor. Tem um grupo de amigas sentadas, bem à minha frente, que conversam e riem sobre seus problemas familiares. Camila, fala de sua prima, que tem problemas de dicção e troca o “r” pelo “s”, dando alguns exemplos de situações e ri ao lembrar-se de tanta coisa que já presenciou. Camila é uma garota alegre e gosta de conversar, nasceu com uma doença que causou má formação de membros superiores e inferiores, causando-lhes dificuldades para andar e manusear objetos. Mesmo assim, ela parece superar esse problema com certa facilidade, mas me vem à mente o quanto foi difícil para ela se acostumar com a idéia de ser “diferente”, como ela se adaptou às situações. Não deve ter sido nada fácil nem engraçado quanto à conversa que ela tem com as amigas.

Em outro canto da sala, Raquel, Felipe e Luciana discutem sobre o preconceito que Raquel está enfrentando por ser lésbica. Ela diz que está difícil aguentar a rejeição das pessoas, das quais ela achava que mais teria apoio, como amigos e familiares. Os dois colegas tentam consolá-la com um: “calma, isso vai passar”, e ela firmemente pergunta “quando?”. Está triste e afirma que as pessoas não entendem e não estão preparadas para aceitar a felicidade dos outros, como eles são. Os amigos concordam e tentam erguer sua autoestima, com brincadeiras e lembranças de acontecimentos passados e engraçados. De certa forma, ela sente-se confortada por eles.

O grupo de amigas em minha frente continua empolgado na conversa. Agora, mais uma juntou-se a elas, foi Carol quem chegou e está falando sobre o professor de história que, frequentemente, sorteia brindes em suas aulas e ela nunca tem a sorte de ganhar nada, diz que seu “santo é fraco”. Já Manu, fala que sempre teve muita sorte e desde pequena ganha quase tudo que concorre. Isso foi um gancho para os assuntos da infância delas e a mesma Manu, tão cheia de sorte, começa, tristemente, a falar que sempre foi muito sozinha, nunca tinha ninguém para brincar, já que sua única companhia era seu irmão mais velho, que tinha muitos amigos e mal vivia em casa, e sua mãe que trabalhava praticamente o dia todo, além de controlar seus horários. Carol fala que até pode não ter tanta sorte com os brindes, mas é feliz com a infância que teve, gozando de certa liberdade e muitas amigas em sua casa para brincar. Começa a lembrar das várias brincadeiras de criança e isso faz Manu refletir sobre sua sorte: “será maior ou menor que a da minha amiga? Para que ganhei tantos brinquedos se nunca tinha ninguém para partilhar suas alegrias? É tudo muito complicado”, prefere não pensar muito nisso e mudar de assunto.

Felipe e Luciana, antes em um clima meio tenso, agora riem e escutam a amiga Raquel falar sobre sua paixão, sua felicidade e a sorte de estar namorando há 10 meses com a pessoa que ela mais ama e que tanto admira, que tanto lhe dar forças para enfrentar o que está passando. Os amigos sentem-se felizes por ela e a abraçam.

No grupo, Érica está em dúvida e enlouquecendo com a escolha da roupa que irá usar na festa de sua cunhada e diz estar desesperada, pois não consegue achar um sapato que combine com seu vestido e já não sabe mais o que fazer. As amigas tentam ajudá-la, dando-lhes sugestões, mas ela não se conforma com nenhuma e verifica que, além de estar em dúvida com a escolha do sapato, nem sabe mais se realmente irá usar aquele vestido que planejava. Cessam-se as conversas. O professor chegou e hoje não tem sorteio, é chocolate para todo mundo da sala.

Afinal, quem tem mais sorte? Quem enfrenta o maior drama? Quem é mais feliz? Realmente tem dias que a paisagem de fora parece ser melhor. Num mundo onde tantos prezam falar para se expressar, há aqueles que observam para aprender e entender, imaginando a vida de quem passa sem pretensão de saber a “verdade”. Quem observa o outro, acaba aprendendo muito de si.


Por: André Araújo

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